02/10/2008

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nexo sampleado

assim eu quereria um poema encravado na terra como um jequitibá plano geral e microscópico silêncio e movimento ao mesmo tempo nem tão claro ou escuro de nenhum deus como se a manhã fosse infinita de olhos loucos abertos escândalo de utopias flauta vibratória e membranosa lambida na fissura da superfície das pedras um poema sem formas vago num mundo cinematográfico como uma ruga desenho do caos a perfurar o couro a tatuar os anos pequeno a desaparecer no fluorescer das lentes espelhadas dos carros e a fritar entre os cascalhos do asfalto e a ebulição da borracha a consciência a memória a curto prazo poça rasa suja pisada por distraído pimenta queimando entre os lábios faiscando na garganta seiva aflorada mastigada de horror dor prazer beleza língua celeste de duas bocas lágrima do acaso bijoteria barata que se arrebenta num ato de amor beijo na sua fronte adormecida que agita levemente seu rosto em um sutil sorriso ao redor da boca com seus grandes olhos fechados como duas barrigas grávidas e ante o seu despertar um novo beijo firme enfático e delicado risco que ultrapassasse o passo forjasse o perdido bifurcasse o lápis como um riso profundo no risco que faria na carne de quem o lesse como uma oferenda poema que não seria semente nem flor nem filho porque jamais nascido nem envelhecido porque não é amor e nunca fruto grito engolido escrito numa língua ora incipiente língua porvir desesperado peixe privado de mar a maldizer o dia cinza fé no acaso poema que sobressaltasse seus olhos e alimentasse fantasias demais pro teu humor de eterna terça-feira cansado da preguiça matutina do amor poema chavão que abrisse porta grande paz atômica vastidão de universo em pele inverso do nada do verso no avesso à sombra do ritmo solto como um bicho muitos serendipismos anti-penca de pancas heris largo repertório poema perdido na miopia do desejo que perseguisse cores fulgurantes carregado de milhares de anos em cada ombro passado vazio de sonho frustrado roda sem-fim a girar em girassóis demasiados como água pra mirra cuidado pro manjericão delicadezas pras flores pássaro que esfacelasse um mundo feito pra criaturas meridionais obesas língua que começasse a remexer dentro de um corpo morto seu nome pronunciado nesta noite empoeirada selvageria tonta a derreter eternamente o cimento das coisas madrugada barulhenta cheia de luas manhã estralhaçada entre os dentes poesia doce e calma sem curvas sem buracos sem pedras a romper tréguas diques muros miragens barata na boca da garrafa gerra antibélica nuvens nos pés ruídos desformes dentro dos conformes de um branco raiado que revestisse os corrimões dos salões salas saletas caixas de papel caixas de fósforos esculturas de palito de dente arvorando ao vento por entre as flores das pontinhas das árvores capivara sem parque solta no cerrado espelho de alice ainda menina com seus cabelos brancos vestida com as cores de todas as mil e uma estações pra não perder o tino do tempo como um sopro que lembrasse o sul em setembro água suja que precisasse de um filtro divino pra resgatar um resto de luz nada de mau louco ou santo apenas dúvida das palavras cristalinas teu olho fincado no meu cintura agarrada rebolado assanhado como um gol um estrondo que relampejasse um copo que transbordasse um amor fugaz um poema a comer teu desejo com um garfo cravado de estrelas como a realidade cravando-me as unhas bagunça de casa nova moça assombrada com tanto modismo papel manchado de poeira negra coberto de verdades insuspeitas via incerta mas não errada um poema que nunca se acabasse oceano de sóis onde parece navegar tranquila a paixão que fosse a tua roupa teu fósforo tua voz que fosse uma língua inclusive pra falar uma perna inclusive pra andar cheiro de bergamota que ganhasse a casa e tirasse a coceira que não se pode encontrar canto triste de pássaro que só canta quando não está triste ciência do que se sabe menos palavra aberta de sentidos pra todas as vidas que vivemos
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12 comentários:

Fabi disse...

Uau!
Homenagem das homenagens aos poetas do nexo.
Adorei!

Anônimo disse...

irado mateus!
Eiliko

Anônimo disse...

Mateus: o melhor de todos sem dúvidas!

Mas qual foi o critério? Cadê um making-off pra esse mega-poema?

Anônimo disse...

Aliás... um making OF!!

Anônimo disse...

obrigado moçada pelos comentários benevolentes. o mérito é literalmente todo de vocês. hehe. i. Ciro, na verdade não segui critérios rígidos ou um método fixo prelaborado. havia tempo que queria ‘fazer’ um poema sampleando os versos postados no sítio. a idéia inicial era começar com um sampler do Bandeira – ‘assim eu quereria meu último poema’ – tirando o ‘último’ porque, além de conter um lance meio brega-romântico que não calhava no momento, não queria mesmo que fosse o último. há tempos penso nesse poema, que seguiria com uma citação da Fabi. pensava no seguinte – ‘eu quereria escrever um poema tão bonito como o jequitibá’ e, na seqüência samplearia um verso de cada poeta, pra fazer uma parada do jeito que estou mais acostumado a fazer, mais conciso mesmo. daí comecei a escolha dos versos. dentre tantos fui escolhendo aqueles que melhor se encaixariam no tema metalingüístico proposto. não me preocupei se os versos originariamente se referiam ou não ao ato de escrever – e a maioria deles não se referia. cometi, pois, a corruptela de transcrever os versos em outro contexto. nesse intento, ademais, tive que deixar de lado lindos versos. evitei o control-c-control-v pra internalizá-los. originariamente com parágrafos e vírgulas, com o objetivo de ter um grosso material pra enfiar a tesoura. cê sabe que constantemente tenho esse, digamos, método, de escrever um calhamaço e meter a tesoura até chegar no mínimo possível. dizem que o sonho do Picasso era conseguir desenhar um minotauro com um só risco. ou que o sonho do Gil é chegar a tocar apenas um tambor. logo se vê que as minhas pretensões não eram modestas. hehehe. sucedeu porém que o ‘grosso material’ se revelou por demais fino. cortei meia dúzia de três ou quatro e a tesoura cegou. mudei uma ou outra coisa de lugar e empaquei. daí tentei tirar as respirações de parágrafos e vírgulas e gostei do resultado. porque o sampleamento todo tinha se dado num jarro, duma maneira rápida, fluída e confusa demais pra que os versos fossem quebrados. além de particularmente gostar desses poemas-rios, tais como o grande sertão, as galáxias, o choros para pintagol e cuíca, os beats e tal. e essa coisa do poesia em bloco também me pareceu permitir mais camadas de leituras pertinentes possíveis. por último, umas poucas mudanças de versos de lugar, de inserção de palavras e pronto, postei.

Anônimo disse...

Engrosso o coro pra dizer que achei sensacional, idéia e resultado.
Deve ter dado um trabalho e tanto. Enfim, bela homenagem unir assim as nossas vozes.
Teve nexo.

Adeilton Lima disse...

Axé!
Adeilton

Anônimo disse...

putz, quero decorar.

Anônimo disse...

é um poema cabeça bob dylan barba ginsberg, allen.

Anônimo disse...

Difícil comentar esse poema. É um poema-citação, retomado, readaptado, reescrito. Dá nova força ao fragmento dos poemas, em um novo contexto. Enquanto atitute do poeta, de não escrever mas juntar, reunir no que já existe, é uma atividade objetiva de construir um objeto. Tira os trechos de outros textos, cola-os; Mas é poema, é o poema é o resguardo do subjetivo. Então, na objetividade (da forma e do fazer), o poema logrou representar uma necessidade individual de apropriar-se de um código - códice - coletivo para daí fazer poesia. Realmente louvável.

Menezes

Anônimo disse...

Só continuando: essa necessidade individual é resposta ao todo, ao social. Inconscientemente isso está atrelado ao fazer poético. Tua vontade de exprimir não um dado do real (o que poderia fazer a poesia), mas um dado igualmente estético, é um diálogo entre local e universal ininterrupto, entre formas constituídas e o (re)elaborar aproveitativo de poeta-montador.

Meness Hesse

Anônimo disse...

Puta idéia! Poema de primeiríssima, talvez um dos mais lindos que tenha lido...