08/07/2008

Composição Surrealista

Contra céu açafrão,
Volutas
Ascendem.
Espirais de cinzas,
Peles queimadas.
(Não sobrou nada)
Inundado de sol e cansaço
Pergunto onde fica minha casa.
Meus pais me esperam,
Meus cães mortos
Minha irmã, me aguarda.
(mas não sobrou nada)
A viagem é uma seqüência
Encantada.
De um lado, os sonhos afundam.
Sobre eles um brilho:
Chuva ácida.
Do outro, está ele, deitado.
Gigante como um Polifemo
Depois de Ulisses.
Não pode me olhar.
E mesmo assim, temo
Apresso o passo,
Atravesso a ponte
Arrasto a noite
Pelos cabelos cor-de-prata,
As casas velhas,
As feras soltas,
Os velhos
Agonizantes
Tendo filhos velhos
A todo instante.
Não. Não sobrou nada.
Estrondos ao longe,
Incêndios, lama e sangue.
Existe uma rua íngrime,
Alguém conhece?
A minha casa é branca
E era tão perto de tudo!
Onde fica, alguém sabe?
Ninguém responde.
Gaitas de fole ao fundo.
Os moribundos dançam.
Violinos gemem
(não sobrou nada, eles dizem)
E eu sigo tonto e cego,
Cantando.
Há dor e há esquecimento
em cada canto, ruínas.
Mas a manhã...
É uma manhã com voz embargada de sonho.

Léo Tavares

5 comentários:

Fabi disse...

Essa junção de passado presente e futuro na mesma poesia,como uma assombração, é muito legal!
Tu anda se superando.
Adorei

Anônimo disse...

maravilha!! me lembrou o david lynch, só que bem melhor! esse lance do inconsciente realmente lembra os surrealistas, apesar de eles estarem mais pra rosseau do que pra stendhal. daí que o poema tá mais pro lynch do que pro buñuel. ou seja, nesse sentido, mais pra charles bronson do que pra amelie poulain, né não?

Anônimo disse...

Para mim, tudo não passa de um sonho. A noção de surrealismo (super realismo) é de abranger, num objeto, aspectos da realidade que não se mostram quando encaramos esse objeto de determinado ângulo. O surreal elabora imagens aparentemente fragmentárias, mas que têm na sua soma uma visão (ou apreensão) da realidade bem mais "completa" que a visão ordinária que temos. E esse real nos parece absurdo, quando é, na verdade, nosso cotidiano
Menezes

Anônimo disse...

Achei bastante rimbaudiano (algo que estava lendo). Tipo uma escrita-fluxo, com imagens devastadoras, apocalípticas e surreais. Eu apenas tiraria o "surreal" do título. A gente já sabe disso quando lemos o texto. Muito bom. Jovial e promissor.

Léo Tavares disse...

Ciro, tem toda a razão. Vou trocar o título. Adorei o comentário. Construtivo. Obrigado!
:-)