15/04/2010

As palavras

as palavras estão doentes em mim
sobrepostas em paisagem de asa
qual vertigem espraiando-se em silêncio
as palavras têm dor de inseto
em meu peito aberto de azul, uma frase se inscreve
e um grito assobia-me

as palavras estão doentes em mim
em mim sou escrita numa fotografia de vidro
quando tudo é escuro, quando tudo é vento
as palavras escorrem ao lado das auroras
tornam-se viveiros de cores encardidas
enquanto encosto a face na silhueta do fogo

as palavras estão doentes em mim
chovem no anteontem e nas bordas do vazio
como anelos de fragrância jasmínea
estou cega de anoiteceres
estou cega de céu
estou cega de borboletas pousando nas corcovas do lírio
estou cega de flores
estou cega de gorjeios
e de orvalhos

as palavras estão doentes em mim
quando os sinos tocam em meus dedos de gravetos o horizonte
as palavras amanhecem ao contrário
desmoronam em asas de libélula que se desenham em meu ventre
asas circundam-me impregnadas de absurdo
e vez ou outra, nuvens fazem-me cócegas

as palavras estão doentes em mim
como balbucio de folhas alaranjadas no teto do quarto
o alaranjado me cobre o corpo inteiro
e viro átvore
e viro instante
e viro abajur na cauda de um caracol que desistiu da eternidade

as palavras estão doentes
em mim
só me resta.

2 comentários:

Anônimo disse...

bem, que melhor comentário que um poema? Mando este pra (dia)logar:

As palavras nunca são o que de fato
Dizem as coisas.
Estão sempre a meio termo,
Ambíguas, cingidas,
Constrangidas sobre a lógica do que representam,
Denotam, muitas vezes,
Aldeias esquecidas.
Logo, as palavras também prescindem,
Em seu uso,
Daquilo que nunca usamos
Ou do que vivemos em demasia.
Estão, verdadeiramente
No meio do caminho,
São pedras, metros,
Seios enrijecidos,
Essas palavras vêm do mundo,
E também dos sonhos,
Onde construímos a encenação
Do que deve ser obliterado,
Extinguido na superfície torta
Do Dia dos Homens.
As mesmas palavras que cercam
O que agora sinto, que não tem tamanho.

Remeto-as ao único lugar onde a vida faz sentido,
Remeto-as ao domínio inexato do onírico.
Remeto-as como oferenda profana ao divino,
Remeto-as como permissão de que meus domínios
Sejam conhecidos,
Como forma de traduzir de mim o que sequer entendo.

Léo Menezes

Fabi disse...

As palavras não estão doentes em vc.
Lindo,lindo, lindo. Tu está numa fase ótima.