Levei uns dois meses para concluir. Baseado em sensações físicas, motoras, psicológicas e neurológicas, durante estados de legítima tristeza, mas não uma tristeza suicida e narcísica, e sim um spleen adimensional, parte de todos nós. Desejo tristeza a todos! :)
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A tristeza não é um avesso, é uma convicção.
A tristeza tem cor e volume de manifestação igual a estes bolsões roxos debaixo dos olhos.
A tristeza é quem aplica esta agulhada incisiva na parte dianteira e direta do cérebro.
A tristeza produz o empuxo que empurra as pálpebras, de maneira irrecusável, para o repouso, a dormência tão narcótica.
A tristeza conduz estes dedos que agridem o couro cabeludo, traumatizando o olhar, rebaixando o corpo.
A tristeza provoca irrupções cutâneas, estas unhas e peles de unhas, estes sanguinhos inconvenientes.
A tristeza dialoga com estas clavículas maltratadas, estas espáduas intocadas, estes ombros sólidos, fastidiosos, pesados.
A tristeza usa alicate e descasca a pele, debulindo nossa superfície, extraindo todos os componentes que convêm a nós; mas aos poucos.
A tristeza enxerga com um visão borrada e fosca, no olho direito, e incomodamente dupla, no olho esquerdo.
A tristeza cavalga neste fio horripilante que, verme interno, percorre os órgãos como uma possessão fantasmagórica.
A tristeza apavora, de assalto, as células, pulsantes pela vida, e as mitocôndrias, ávidas pelo trabalho.
A tristeza apodreceu o pé do meu pai.
A tristeza defumou meu tórax, fundiu pedaços estranhos de pele.
A tristeza faz cintilarem verrugas-flores, cicatrizes-fio-d’ouro.
A tristeza tesoura os pêlos do sovaco, e cada um dos pentelhos do saco.
A tristeza sopra e infla o pênis, mas lhe incide considerável excesso de drama.
A tristeza demora-se em observar as fezes, em espionar o cheiro acre do mijo, num ato paradoxal de perplexidade e desinteresse pelo mundo.
A tristeza move para uma preguiça caprichosa, aflitiva, cheia de tumultos e revoluteios de ação, de pensamento.
A tristeza produziu, insuspeita e diabólica, uma enxaqueca inédita, uma sensibilidade vampírica à luz apavorante.
A tristeza me impediu, qual a mão de uma censura ditatorial, de mergulhar no fundo da piscina.
A tristeza, longínqua, foi quem aplicou este corte de bisturi no meu abdômen.
A tristeza, isso com certeza, foi quem me provocou aqueles surtos de pesadelo e aqueles farfalhares fractais, tudo na cabeça.
A tristeza faz que vai me abandonar quando, células inundadas e fatigadas, largo meus olhos ao sono.
A tristeza é sempre mais maligna nos sonhos, quando se nos abandona o controle, e a dor de acordar e reconhecer é maior que a dor de viver.
A tristeza infla os tecidos do meu corpo, e me sinto espancado e prurido, e meus pensamentos porosos, e minhas partes, farelos.
A tristeza são ondas de solidão e abandono que vêm e voltam na praia antiga que é meu corpo.
A tristeza aplica uma massagem de lassidão, shiatsu invertido, que não aflige, mas toca os nódulos do corpo com shakras de prostração.
A tristeza tem um olhar, e isso surpreende, um olhar rebordoso e famélico; famélico não se sabe de quê.
A tristeza virou um tapa grosseiro no mosquito terrorista que só tem a função de tornar a tristeza ainda mais triste.
A tristeza se faz assim decepcionante porque carrega na espera, exagera na duração e inspira muito menos do que deveria.
A tristeza se lambuza nesse poder ingrato de adoecer a mente, mas manter a lucidez.
A tristeza se refestela porque nos apegamos a ela, ouvimos suas lamúrias, somos pai e mãe dela.
A tristeza aparta: das gentes, dos bichos, das plantas, das coisas, de si mesmo, de si mesma, de ti mesma.
A tristeza fabrica vultos, fantasmas, carniçais.
A tristeza, tão humana, intoxica, produz excessos, monstros, desumaniza.
A tristeza, película sobre a vida, de tão humana, cinde o tempo, agride o fausto do mundo.
A tristeza elabora uma razão antípoda, desgostosa sim, mas sagaz, intrépida.
A tristeza, inimigo digno, não tão venturoso quanto voluntarioso.
A tristeza trafega pelo hemisfério do ser, farfalha no brilho sombrio do impossível, dirige com elegância para o curso do impensável.
A tristeza é o eu que me imaginou triste.
A tristeza.
A tristeza.
A tristeza.
Ciro I. Marcondes
6 comentários:
Eu gosto muito dessa sua poesia.
É interessante falar da tristeza dessa forma, sem ser na primeira pessoa, sem ser passional. Parece uma tabela de sintomas, algo sobre como reconhecer a tristeza.
Mais sexo! Menos Poesia!
Ciro, eu gosto de como sua poesia beira o inaudito, o absurdo, e, às vezes, o cômico: "A tristeza sopra e infla o pênis, mas lhe incide considerável excesso de drama". Impagável!
Eiliko
mais sexo e menos poesia! (2)
Porra anonimo, se revela aew, cuzão. :D
esse anônimo tá que tá, hein? rsrsrs
gostei da leitura do éliko (rs)
no mais, um belo "tratado" sobre a tristeza!
bjos, kybelle.
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