04/12/2008

Báratro

Desci anos-luz para dentro da terra.
Uns diriam que era um estado eterno de ajoelhar-se
Mas não era a força do vento infindável que me dobrava,
Nem a intensidade de uma oração.
Era um olhar-me de costas que você tinha.
Era a migalha-palavra que eu recolhia com as mãos.
Determinação perene em juntar cacos
Que se pretendiam preciosos ornamentos
À opacidade do meu coração.
Eu diria que o peso do tempo me envelhecia
À cada sombra do gesto.
Máquina espiralada e ruidosa se fez minha essência:
Tarefa laboriosa e lenta a que me predestino
Vocação de enterrar meus sonhos natimortos
Na aridez de um solo estrangeiro.
A palavra ali, entre macegas e escombros
Concreta e lúcida,
Faustosamente material.
Quintessência escarrada e tornada em
Desagradável substância orgânica.
Eu preciso dela como quem necessita
Matar a sede com chuva ácida
E cavo a terra como se enterrasse as mãos
Em omoplatas fugidias.
A quem pertence esse rosto que só vejo em fuga
E desalento?
Desespero heróico em evitar meu próprio desespero.
Eu me fixo em abandono quando o meu abismo
É o meu próprio espelho.
O que é deteriorável e insignificante
O que é terra, pedra, galho,
Vida parca e esgotada
Diante dos meus joelhos,
Pra mim é jóia transcendental e rara.

Léo Tavares

3 comentários:

Fabi disse...

Adorei!!
Umas das tuas melhores.

Anônimo disse...

"Eu me fixo em abandono quando o meu abismo
É o meu próprio espelho". Sensacional, Tavares! Eiliko

Adeilton Lima disse...

Visceral!