06/04/2008

Pessoas Satélites

_ W3 sul, tem lugar pra ir sentado, tá vazio!
_ Vai, rodoviária, (suja, ordinária).
Corre para o eixinho,
Pega, pede implora para o cobrador da lotação um cantinho,
Você se abaixa na barreira.
Vai, pega o baú, a combinha, a carona, pede carona.
Vai se embora, suma daqui!
Vai pra casa, vai pra cama, e dorme, dorme em paz,
E se possível não volte mais.
Porque aqui ninguém te quer.
Você é feio, você é pobre, você precisa.
Você é preto, você é índio, você é nordestino.
Você trabalha você não descansa, você acorda cedo, você mora longe...
Vai-se embora, não volte.
Brasília não te quer,
Te escorraça todo dia.
E ainda assim você a lambe nos pés...
Brasília te humilha te ignora, e você ainda torce por ela,
Ainda vota pelo asfalto em frente ao portão
Ainda põe o nome na lista da cesta básica
Ainda acredita que o filho fará direito na UNB.
Você estuda pra concurso público, perde o domingo tendo fé.
E ainda torce para que o vizinho também passe,
E quando não encontra o nome na lista dos aprovados, pensa que estudou pouco,
Que da próxima vez chega lá.
Mas você não vai,
Ninguém te quer estudado, ninguém te quer seguro,
Ninguém quer que o teu filho tenha futuro.
Ninguém te quer aqui,
Brasília nunca foi teu lar, nunca te deu nada,
E tirou tanto de você...
Tirou sua juventude, o brilho dos teus olhos, a cor dos teus cabelos...
Não vê que você não cabe em Brasília?
A tua fé não serve pra nada nessa terra,
O teu Deus não vai te alcançar...
Vai embora antes que a tua dor vire ódio,
Antes que você perca o pouco que te resta,
Vai, enquanto você ainda tem pernas...
Depois?
Depois a miséria só cresce, toma conta do corpo,
Quando ela passa estampada na frente dos nossos olhos
A gente segura mais forte a bolsa, abaixa a cabeça, quase corre...
Fuja dessa tristeza de cidade grande, dessa frieza de cidade fabricada,
Porque você persiste nessa tentativa inútil de aceitação?
A tua miséria não combina com a noite do plano piloto,
Depois das 19h ninguém quer ver a tua cara de cansaço
Vai embora
Deita o teu rosto triste no colo que te cabe,
E deixa que o tempo passe,
Não adianta nada,
Brasília é uma cidade amargurada.
O mundo é.
E já desistiu de ti.
(Fabi)

PS: Poeminha bem antigo, que eu mexo constantemente.

4 comentários:

Anônimo disse...

Fabi, adoro essa poesia, como já tinha te falado. Certamente, é o sentimento de muitos.
eiliko

Fabi disse...

Que bom que vc gosta!
Coloquei pra ouvir críticas tbém, porque não tenho certeza se eu a considero pronta.

Anônimo disse...

cara, acho que as verdades precisam ser ditas, ainda que criemos um personagem sobre o qual podemos transferir nossa visão de mundo. Ou, como é o caso de seu poema,vc se distancia de vc mesma e profere opiniões, julgamentos, que seriam do senso comum (burguês) da cidade, mas que são a sua projeção do que seria esse consenso. Ora, nada demais nisso, afinal muitos já fizeram esse coro impiedoso que vc ressuscitou, para mostrar o quão cruel é a opinião daqueles que não padecem dos malefícios da desigualdade social. Acho quie a matéria bruta com a qual vc trabalha dá pra render um excelente texto, baseado na mesmo estrutura que vc sugeriu, mas do jeito que está agora, acho que ainda demanda mais trabalho e retiorada de excessos, principalmente o que se refere à piedade às avessas que vc inspira no poema. Por hora é só. Menezes

Vitor Aratanha disse...

esse poema dói...