24/08/2010

O CÉU DE BRASÍLIA

1 - AO MEIO DIA

Só o que resta, a essa hora do dia, são as sobreposições de relevos azuis e brancos, pulsionando luz iridiscente, maternal, mas talvez por demais comovente (que coração aguenta?). Cola seus olhos nesse painel abobadal, e cada floração tingida de azul parece emitir luz, exatamente como o fogo gosta de ser a própria luz, e a luz gosta de ser o próprio fogo. Mas não é uma estrela que emite essa luz. Isso é a própria luz branca (é, dos anjos) das nuvens, acumuladas nas escalas titânicas, cada pequena ovelha medindo cem prédios grandes como o banco central. Em certo sentido, esses gigantes gasosos (ainda não se trata de Júpiter – chegaremos lá) parecem obedecer a algum tipo de hierarquia, seja à dos torvelinhos esfarelantes ou à dos monstros de marshmellow. As nuvens, você sabe, são de intumescente volatilidade, mas não são qualquer coisa. Este espelho do mundo que elas assumem, quase com certeza abriga uma virtude clarividente. Mas já não basta esta fauna, e, sim, quando puro, este azul emulsiona projeções visuais, fractais, e pedaços de branco e pedaços de azul e pedaços de azul e pedaços de branco se desencaixam em arranjos bem musicais. Esta dimensão fabrica a sensação de que no céu assim voraz e volátil está contido um código muito precioso, como se fosse possível revelar tudo que pode ser revelado apenas com estes dados de azul, dados de branco, interrompidos pelo vórtex incognoscível que repele e constrange, nos domina e erotiza, coisa não-familiar que conhecemos como Sol.


Ciro I. Marcondes

5 comentários:

Anônimo disse...

é bom te ler de novo, Ciro!
Daqui há alguns dias posto um poema sobre nuvens que fiz há um tempo atrás. Tem semelhanças com este! Abs Eiliko

Valerie disse...

tb prefiro a luz celestial dos anjos à das estrelas, assim como o compulsivo cerrar dos olhos vislumbrando o céu diurno á fauna carieada de BSB. quanto aos monstros de marshmallow, fico com algo mais diet light como tônica com limão.

abrçs.

Adeilton Lima disse...

Isso é o que eu chamo de um olhar nítido! Excelente! E quanto ao céu da Chapada? rs!

Ciro disse...

Um dos mais legais comentários desse blog? :)

E Eiliko, manda o seu aí pra gente elaborar alguma coisa sobre os dois.

abs

Léo Tavares disse...

ciro, inspira-me algo pra pintar. como sempre, as imagens mais interessantes surgem da sua originalidade em criá-las através de trechos como: painel abobadal, escalas titânicas, gigantes gasosos, torvelinhos esfarelantes, intumescente volatilidade, e vórtex incognoscível. estas por si só já são combinações dignas de um colapso cerebral no melhor dos sentidos, e o conjunto todo me parece uma acid trip (again: no melhor dos sentidos). e eu estou ouvindo Empty Room do Arcade Fire como trilha.
abs