20/04/2010

Quê?

Cidade que não existe

até que exista um sonho

que não existe.

A cidade cresce,

Estranhamente esquece

do sonho que engendra.

A cidade acontece...


Sua natureza engana os olhos,

encanta e faz medo.

Grita e emudece a cada instante,

entre a vida e a morte

que seus vazios representam,

onde encenamos o teatro verde

da crueldade.


A cidade, esta cidade,

é mesmo um palco sofisticado:

torna todos atores de um texto construído

na intermitência e no peso

da propriedade – que novamente engana: parece ser de todos.


Seu abraço comunista sufoca,

E o céu comunica um domínio vasto

que nunca navegamos além do horizonte.

Placas mil fazem entender que o sentido

É mesmo insano – equilibramos desejos

numa retidão torta.


[às vezes empilhamos,

às vezes esquecemos]


Não é o dinheiro nem o poder que te oblitera;

é tua forma simpática de dizer que o limite

não tem traço.

Que o resto que está de fora é mesmo resto,

e o que importa em ti está além de qualquer gesto,

de qualquer norma.


Os prédios que atravessamos só têm forma.

Dão um jeito de dizer que sua generosidade está restrita

ao ir e vir democrático de ter acesso a qualquer lado

de algo que está acima, intocado, castelo modernizado,

utopia envelhecida,

piada.


Tua obra de arte não poderia ser diferente?


Menezes

6 comentários:

bota mais um disse...

Leo, gostei de vários versos do poema, principalmente do começo, mas quando você diz que "Não é o dinheiro nem o poder que te oblitera;é tua forma simpática de dizer que o limite não tem traço" eu acho, sinceramente, uma frase puramente retórica. É o dinheiro e o poder sim que desfiguram o perfil desta e de muitas outras cidades, nas mãos de todos sabem quem. Todos querem criticar a forma de Brasília, mas é justamente aí que o bicho pega. Criticar o projeto da cidade, a forma, como você quis fazer parece dizer que o problema não são as aglomerações urbanas, mas apenas esta aglomeração aqui. Pois eu acho que a questão da cidade de modo geral é algo muito mais amplo, uma das grandes questões deste século. A segregação das satélites não existe só aqui, em Brasilia. A periferia é uma questão muito mais ampla. Aqui a segregação foi planejada, e isso parece dar um relevo maior ao problema, mas remodelações sectárias aconteceram na Paris ou no Rio de seculo XIX, elas acontecem a cada momento em todas as cidades do mundo ( e estão acontecendo). Criticar a forma da cidade, o projeto, dá uma estrutura para muitos poemas, mas parece que nos faz voltar sempre ao início do problema, como se ele não tivesse solução. Esta cidade está mais viva do que a gente pensa, e se reduzirmos ela de um modo determinista à sua forma inical, ao seu projeto, me parece que muitas questões importantes se perdem. Ficar preso à forma inicial da cidade para criticá-la parece dizer que o nascimento determina a cidade: e na verdade, muitos dos problemas que existem aqui (e em outras cidades ) podem ser resolvidos com uma administração honesta. A cidade pode escolher seu destino, a questão não é que a obra de arte (parodiando o final do seu poema)
poderia ser diferente, ela pode vir a ser diferente.
Abraço, Eiliko

Dani Calixto disse...

Serei concisa uma vez na vida.Achei impactante, senti verve, senti o milagre de um quê objetivo tomar as rédeas de um assunto um tanto quanto opinativo e passional. Esse assunto en vogue que irá gerar um feriado amanhã...
Forte abraço da brother,
D. Calixto

Anônimo disse...

Concordo, eiliko, mas a questão em jogo é a relação entre a utopia do projeto e a realidade da cidade. A integração pretendida acabou gerando contradições que hoje são asfixiantes, daí o "céu comunisrta que sufoca". É claro que o dinheiro e o poder são elementos fundamentais para se comepreender a problemática da nossa urbe, mas eles se juntam a outros, como a disposição espacial da cidade, que convoca os sentidos para a liberdade "de ir vir democrático", mas sempre sob e sobre a égide da propriedade. Por isso a relação que propus entre a amplitude da cidade e suas amarras materiais. Dá pra falar mais, mas tô sem tempo. Abs

Menezes

Ciro disse...

Leo, também gosto de algumas partes, mas achei ele muito literal, e já havia sido essa minha percepção quando você o leu no Nexo.

Veja essa partes:

Sua natureza engana os olhos,
encanta e faz medo.

Os prédios que atravessamos só têm forma.
Dão um jeito de dizer que sua generosidade está restrita
ao ir e vir democrático de ter acesso a qualquer lado
de algo que está acima, intocado, castelo modernizado,
utopia envelhecida,
piada.

Quade todo o poema pode ser enfileirado num parágrafo e vai parecer mais um discurso sobre Brasília do que um poema em si.

Além disso, concordo com o que o Eiliko diz: você está resvalando em um clichê da formas de Brasília para tentar sugerir uma origem, quando na verdade Brasília é uma cidade muito mais normal do que um certo senso comum sobre a cidade diz.

Anônimo disse...

Adorei e concordo com o ponto de vista do poema. Fantástico.
Verus.

Léo Menezes disse...

adoro, pq vcs detonam, mas amam, eheheh