um insólito sopro de névoa
escapa pela tez invisível da tela
penetrando pretensiosamente
os desavisados orifícios da pele
uma forma disforme difusa
da qual significados simplesmente escapam
traz à tona as coisas belas e sujas
de onde a natureza nasce
vejo e pergunto onde estariam teus olhos
senão ali no lugar dos meus
teu rosto transfigurado em nebulosa de sonhos
invadindo o corpo numa semiose seminua
transformando um eu pasmo
quando a cautela do distanciamento
rendida à irresistível atração
já não nos mantém na superfície
vejo e pergunto se seria o mesmo rosto
daquela feiticeira inca que um dia
adentrou os portões de coberville
encarnada num cavalo selvagem
aos olhos de lóbulos vazios como os teus
será que estaria mesmo em ti
o reflexo transparente de tantas almas fugidias
ou essa epifania translúcida proveria apenas
do olhar inquietante de quem a pintou
4 comentários:
A tênue relação entre observador e imagem observada me parece muito bem trabalhada no poema, evidenciando esses momentos em que "a cautela do distanciamento
rendida à irresistível atração
já não nos mantém na superfície". Pergunto agora, por curiosidade,
quem é a "feiticeira inca que um dia adentrou os portões de coberville?" Um grande abraço, Eiliko
O poema explora as dimensões da nossa relação com a arte, evidenciando que na fruição estética de uma obra desencadeiam questões relacionadas ao objeto representado, ao artista que o representou, ao próprio ato da representação e à subjetividade da recepção. O propósito é colocar em jogo o olhar e a importância dos sentidos que escapam ou se apresentam dependendo da maneira como esse olhar se constrói. A imagem da “feiticeira inca que um dia adentrou os portões de coberville” se refere à realidade do objeto representado no retrato, por meio da citação de um fato real da vida de Aimée: uma festa promovida pela esposa de Vargas nos anos 1950, num castelo em Coberville, arredores de Paris, quando a jovem Aimée, no evento de entrada das celebridades, apresentou-se fantasiada de rainha inca, com os seios à mostra, trajando apenas uma calça de veludo. Se por um lado é possível imaginar a vida exótica dessa mulher, não é daí que provém o fascínio que o retrato provoca. Portinari a pintou em traje formal e recatado, mas tomada por uma atmosfera onírica que acaricia nossa imaginação. Mais informações sobre a festa de Coberville em: http://decadade50.blogspot.com/2006/08/festa-de-cr-6-milhes-ou-bacanal-de.html ; o retrato pode ser acessado em: http://www.portinari.org.br/ppsite/ppacervo/obrasCompl.asp?notacao=2746&ind=84&NomeRS=rsObras&Modo=C
Quero aproveitar para expressar minha opinião de que a interlocução promovida neste blog e nos encontros dos poetas é muito pertinente e produtiva para quem gosta de arte. Eiliko, obrigado pelos comentários da sua leitura e grande abraço pra você também. Espero que possamos conversar mais sobre poesia.
Que bom chegar aqui, Andros.
Linda poesia, sinopse de uma
mulherevento q desconhecia
e vou ora mismo conhecer...
Grata pela Inspiração e Beleza
obrigado, nanda. confesso que ando ausente do nexo, mas breve pretendo postar alguma coisa nova. ultimamente tenho guardado meus textos e buscado uma poesia mais no universo das artes visuais. no entanto, a palavra tem me solicitado muito, ela não quer um romance escondido, de intimidades privadas. a palavra sempre quer que todos saibam dela, que todos saibam de tudo. como você pode ver, tem muitos poemas e poetas no blog para serem lidos e indagados, cada um impregnado e prenho de sua própria palavra. este é um lugar onde se poeta junto. sinta-se em casa. bêjo.
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