31/03/2008

Pré-encontro...

Medo de Pássaros

Foi por medo de pássaros que segurei pela primeira vez na tua mão.
Há quem ache engraçado que certos povos indígenas, nos inícios dos
[contatos com a tecnologia, pensassem que os aviões fossem [pássaros divinos.
Daí esse seu medo – subtração da vontade – nada ordinário dessas
[criaturas que ferinam, audazes, meios para os quais somos apenas [sacos pesados e voluntariosos.
E eles trituram esse azul com ferramentas específicas, essas armas
[de apequenar as coisas.
Pode ser um bicho paciente, o pássaro, por comer moderadamente
(sempre parta seu bife em cubinhos pequenos), mas funciona segundo uma lógica de eletricidade.
Afunda, lamina com esse reator dinâmico de volição, essa máquina [que nunca dorme.
Objeto de uma medição artesanal; pássaro que esfacela um mundo
[feito para criaturas meridionais, obesas.
Eles gostam mesmo é da práxis da esturricação, pulverizando os
[elementos, destruindo graças a uma conduta obstinada e febril.
Lá no céu há pássaros não porque tenham conseguido esta ascensão
[como Cristo, humilhado e leve.
Pássaros têm este privilégio de olhar de cima porque tensionavam [planos desafetuosos.
Avatares orgulhosos duma hierarquia bestial.
Olha de cima, e o mundo é o quintal dos pássaros.
Cada ponto erigido desse mundo funciona como um nódulo, uma fruta
[carnuda, oferenda para as lâminas que bicam.
Lâminas que voam.
Lâminas que gozam.
Nos salões das orgias dos pássaros, são generais que riem das [lendas obtusas:
Primatas gorduchos que voam.
Corolário das origens vassalas, desaladas.
Ascender aos céus não é, portanto, nada além de ascender aos [pássaros.
A cizânia humana é a cizânia dos pássaros.
A acatisia humana é a acatisia dos pássaros.
O avião humano é um totem para os pássaros.
E os pássaros passam
e cagam na nossa cabeça.

Ciro I. Marcondes

3 comentários:

Léo Menezes disse...

"Ascender aos céus não é, portanto, nada além de ascender aos [pássaros".
INteressante essa quabra da idealização, do sublime, os pássaros como animais - e mais nada, que "cagam na nossa cabeça". Os pássaros, sim, sabem o que é voar e admirar o mundo, "seu ninho". Como os peixes, não olham para trás? Mas se voam (e cagam), pode ser que (não) saibam de nada mais além disso. E se o avião humano lhe é totem, nós somos pequenos rabiscos no chão opaco que lhes serve de fundo? E eles, pássaros, não são deuses para nós, tão superiormente avançados, tão incrivelmente fieis a tudo que nos sirva de abrigo? Nos abrigamos dos pássaros e de seus bombardeios de merda?

Menezes

Anônimo disse...
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Fabi disse...

Essa é uma das tuas poesias que eu mais gosto.
Adoro esse início; "Foi por medo de pássaros que segurei pela primeira vez na tua mão."
A idéia do avião humano como um totem para os pássaros é genial.
Você possui uma visão incrível pra transformar a simplicidade em imagens tão épicas.