27/09/2010

Tentáculos

Vaso remendado traz na pele a marca da queda.
O acidente é o momento máximo de sua existência, é o que o constitui.
Ainda que o tenham convencido de que ele é frágil e que tem que se preservar; ainda que ele tenha criado medo do espinho vermelho-fresco; ainda que tenham se acumulado a poeira e as teias de aranha; ainda que a ideia do cheiro não seja mais que uma ideia.
Ainda assim.
Seu maior desejo continuará sendo a beirada da mesinha estreita da sala, ele, cheio d'água até a boca.
Bobo do vaso.
Sou vaso rachado, e, como é da minha natureza, não tenho medo de quebrar de novo.
Só que criei manias. E cismei que, agora, água rala não me basta.
É que hoje escorro fácil por vias tortas, dispersa nos mil atalhos dos meus pés-de-galinha.
Tenho muito a oferecer, mas muito a perder, e cansei de me desperdiçar. Minha porcelana não se acha na assistência técnica.
Decidi o seguinte: quero que me encham de terra bem molhada e plantem as rosas nas minhas entranhas.
Devo avisar que não tenho alças, mas tentáculos.

2 comentários:

Fabi disse...

Gosto muito deste teu poema, teu estilo tem se aprimorado. Parabéns!

Léo Tavares disse...

concordo. evolução evidente, mas mantendo uma sinceridade que vem revestida de delicadezas.